EDITORIAL
EXERCÍCIOS DA ESCRITA
É preciso muito sofrimento para escrever bem
(Lobo Antunes, escritor português)
Como fala para este editorial nada melhor que começarmos por apresentar este veículo que manterá diálogo com o leitor. Este é o Trabuco, um jornal produzido pelos alunos do curso de Letras, habilitação Língua Portuguesa e que tem a honrosa missão de servir de porta-voz dos acadêmicos da Faculdade de Letras e Artes – FALA. A primeira edição surge meio acanhada e ao mesmo tempo vigorosa na esperança de que outras ainda deverão vir e, quiçá tornar-se forte o suficiente para um dia neste mesmo espaço editorial exibir sua pujança.
O objetivo deste jornal é através da fala dos acadêmicos servir de espaço para exercício da escrita. Não se propõe a servir de borrão, mas em espaço preocupado em pôr às vistas os lampejos de produção acadêmica e/ou literária destes acadêmicos em consonância de que por aqui muitas vozes emudecem, muitas escritas boas engavetam-se, amofinam e por vezes sucumbem. Propõe-se a ser um espaço construído a partir do conjunto destas várias vozes mostradas nos arcabouços finais do doloroso processo de escrita.
Em sua primeira edição vem constituído por algumas vozes que já ecoaram noutros meios e se reproduzem aqui. Por se tratar duma primeira edição, o pensamento “ser um exercício de escrita” também nos pode ser visto por outro viés, o de que ainda estamos em caráter de labuta nessa produção. Mas se se sofre para escrever bem, conforme a fala do escritor português Lobo Antunes, que soframos, então, no pretexto de que estamos trilhando um percurso audacioso e de grande importância no/para curso de Letras.
Reúnem-se nesta primeira edição as vozes de ensaísta, de contista, de cronista, de poetas e, no centro disso tudo a poetisa Auta de Souza. Ela já recebeu reconhecimentos mais que merecidos de minha parte, quando da apresentação da oficina Auta de Souza in verso e [re] verso na XIV Semana de Letras, ano passado; ainda quando da minha fala em torno de sua obra para outro jornal local e agora reúno nesta edição mais fragmentos do que restou em meio a isso tudo, afinal de contas nunca o objeto literário se esgota.
Resta-nos ouvir essas vozes em sofrimentos da escrita. A edição é nossa.
Pedro Fernandes de Oliveira Neto, sétimo período, Letras, Língua Portuguesa, UERN
SUMÁRIO
letras ao léu
Rememorando Auta de souza, Pedro Fernandes fala sobre a obra da escritora potiguar
in prosa
As vozes da FALA in conto, crônica
ensaio
Lindelillyan Fernandes fala da obra do escritor potiguar Jaime Hipólito
Di versos
Livros, cinema etc .e tal.
sarau
a poesia de Ângela Rezende, Ana Cely Menezes, Pedro Fernandes e Monick Munay
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ensaio
Estórias Gerais de Jaime Hipólito
Por Lindelillyan Fernandes1
foto do escritor
Importante profissional do jornal e escritor de reconhecimento merecido. Como costumavam dizer a seu respeito: - Caicoense de Mossoró, publicou no ano de 1962 o livro de conto: O aprendiz de Camelô, hoje metabolizado nessa obra: Estórias Gerais. A qual merece seus confetes por trazer para ao público, um conjunto de momentos cotidianos, bem possíveis de realização. Fato que ele se orgulhara de comentar, por gostar de expor os acontecimentos em seus contos exatamente como eles aconteciam, fossem verídicos ou existentes somente no seu mundo particular de idéias. Isso provavelmente influência das rotinas jornalísticas, visto que ele preferia os bastidores dos jornais à vida literária.
Estórias Gerais de Jaime Hipólito é uma obra tipicamente nordestina, pois trata contos como um gênero regional, trabalhando seus temas com a simplicidade da conversa na janela das vizinhas de um bairro popular. O autor busca , como ele mesmo afirma, expor assuntos cotidianos e ao mesmo tempo fatos incomuns no meio social por ele ricamente ilustrado nessa obra. Seus contos sempre trazem consigo um mistério, algo que nos faz lembrar os Contos Extraordinários de Edgar Allan Poe, que sempre tinha no suspense e na tragédia seu clímax. Suas narrativas curtas, assim como as de Jaime Hipólito, não impediam de tratar de um determinado assunto em sua íntegra, apesar do tamanho da obra. É o que também vemos aqui. Apesar de em certos contos ter a impressão de que ficaram incompletos, o que provavelmente era exatamente essa a intenção do autor. A obra tem em si a mágica da contemporaneidade que envolve o leitor em suas tramas. Sem esquecer as, embora breves, citações das localidades do Rio Grande do Norte e suas personalidades, apresentadas sem maquiagem. Os perfis que ilustram a obra, são os “personagens da vida real” do Estado do RN, são eles pescadores, que têm suas famílias alojadas a beira mar, e que com isso enfrentam as dificuldades das privações da distância da cidade e que muitas vezes passam por situações primitivas como uma mulher dar a luz em casa e sozinha. Situação não esperada pela sociedade do século XXI, mas que não é tão rara quanto parece. O retrato do sertanejo potiguar, também é marca forte na obra do autor. Os crioulos, os mestiços que o estado abraçou tão gentilmente, apesar de ser de origem indígena, a qual foi extinta por esses mesmos povos que hoje o habitam, são retratados e caricaturados como norte riograndenses natos. E é isso que enriquece a diversidade cultural do estado e da obra e torna-se identidade, como a presença da mulher potiguar que além de sua força e coragem é apresentada com carisma, como foram as mulheres que participaram da história que foi escrita do Estado do Rio Grande do Norte. Ler Estórias Gerais de Jaime Hipólito é certamente fazer uma viagem pelo estado. É conhecer seus costumes, seus povos e seus cartões postais. Embora alguns deles, não sejam tão “queridos” como referência.
“Percebe-se uma extrema necessidade do autor em matar seus personagens”. Nesse ponto, questiono-me se seria o excesso de idéias sobre esse assunto e a dúvida de saber o que fazer com elas ou a verdadeira intenção macabra de celebrar a morte. Na maioria de seus contos, encontramos uns muitos mortos e outros tantos abandonados, quando não assassinos, doentes ou depressivos... Seria uma marca tradicional do autor? – Provavelmente uma forma de caracterizar suas obras com esse “Q” de absurdo. Por tantas vezes o leitor encontra-se envolvido na estória e é surpreendido por uma mancha de sangue nas páginas do livro. Quantos personagens precisaram derramar seu sangue para que o autor se satisfizesse? – Dos quinze contos, oito deles consumam o ato, os demais quando não deixam depressivos, incompreendidos, deixam a marca do “não acaba por aqui”.
Jaime tinha esse misto de mistério e incomum que deixava sempre a marca das interrogações – Não fossem por dúvida em saber por que determinado personagem tomou uma atitude, ou por acreditar que as falas mereciam complemento seus contos, seriam a tradução perfeita do cotidiano potiguar. Se há uma questão específica para cada caso, isso merece um estudo mais aprofundado, mas que em primeira instância, há essa observação de incompleto quanto ao desfecho das estórias.
Contando conto por conto, falemos do menino Sandrinho, do Conto de ninar, o qual sobreviveu, mas perdeu seu boi. Observe a morbidez citada anteriormente. Às suas ordens, sargento, o Zé Firmino, que de aparência criminosa nada fora narrado, não morreu de corpo, mas perdera a liberdade; o que de certa forma é um tipo de morte. Sem comentários para o Estórias do marido que vai matar, morre. Basílio de O regresso, deveria estar feliz por voltar para casa depois de tanto tempo longe, mas o autor faz questão de enfatizar os seus medos, só para não fugir as suas características depressivas.
O que dizer então do A tragédia do Negro Jesus. ? Tão bom e traído pela própria ira. Onde esteve ela durante todo o desenrolar dos fatos? Por que somente no último instante resolveu aparecer? Por que essa sandice em um homem de tão boa índole? Em um instante acaba por ser atropelado pelo destino. Já Luciana não... Essa sim foi uma estória de amor, fracassado, mas amor. Tirando o fato de que a mocinha foi abandonada e quando o príncipe voltou ela tinha enlouquecido e se matado, mas tudo bem, isso são coisas de Jaime Hipólito, que disse nas primeiras linhas desse conto que essa seria uma estória de amor.
Remorso, é uma estória de perseverança. A qual levou a mocinha da estória a morrer de fome por capricho (recorte de Jaime) ou persistência, como queiram. E no fim, o seu amor ainda some sem deixar vestígios, mesmo depois de trocar palavras, iniciar uma “ nova amizade”. ( E Joana? Que nem era a protagonista do conto e mesmo assim morreu de fome... Seu marido, como não podia deixar de ser, sumiu sem deixar vestígios. Veja-se nesse ponto a morte de um e o sumiço de outro.).
Mulher com pés-de-galinha é hilário. É de certa forma uma crítica a sociedade atual em que as aparências, a busca pelo belo, pelo perfeito se assemelha a corrida espacial ou as batalhas pelo ouro: vence quem chegar primeiro e só é aceito quem participa do meio. A pobre mulher (Nida) teve que se contentar em estragar mais uma coisa em cima de si, os cotovelos que passaram a encostar na borda da janela com mais freqüência.
A sandice está explícita e justificada em Noite de Eulália, em que a pobre mulher não se conforma com a morte do pequeno Bepo e sái sem rumo, fugindo de casa, fugindo da realidade.
Tomando as dores da pobre Julia que concluiu suas páginas sem conseguir entender o que é o amor e o sexo e sem permitir que a conhecêssemos também. Quem seria ela? Uma garota com problemas físicos, psicológicos, um ser individualmente alheio às coisas “prazerosas” da vida, ou apenas uma garota rebelde em fase de transição de idade?
O Padre, o personagem parece retomar a história do livro O seminarista de Bernando Guimarães, o qual dividido entre a vocação e o amor, passa por aprovações e acaba por escolher o que lhe era esperado. O texto fecha o ciclo de idéias quando narra a saída do Padre Braga, o então protagonista, de sua casa e após despedir-se de sua esposa sem maiores esclarecimentos. É provavelmente o conto de maior complexidade e certamente o único que teve um final sem tragédia físicas ou sumiços sem lógica. Porém é omisso à situação da mulher do padre, a qual não se manifesta quanto a sua decisão de voltar ao seminário. Uma atitude pacífica demais, onde o que se esperava era no mínimo dar-se o destino da mesma. Contudo ela simplesmente some no silêncio de sua aceitação pela decisão do esposo; ex-esposo e agora padre que escreve suas memórias. Completo e realista, sem muitos enfeites e com a capacidade de prender o leitor, por ser ele detentor de um assunto interessante, não desmerecendo os demais, no entanto, trata-se de um contexto bem provável, e talvez por isso tão atraente.
E o caso da Noite de São João, onde mais uma vez o homem traído resolve matar a até então amada. A pobre Rita nem teve tempo de respirar e caiu morta de um único tiro deferido por seu amado Cirilo. É uma mistura de sentimentos onde o amor se transforma em ódio no passar de um parágrafo. Essa estória deixa-nos a dúvida do que pode ter acontecido com o “pobre corno” do Cirilo.
Patrício, pode-se dizer que tal conto não merecia outro nome, pois o infeliz, assim como Joana (do conto Remorso) escolheu por morrer e acabar com a felicidade de sua mãe, “Por uma cabrocha”, como disse ela, Honorata. – Essa sim é uma heroína, resistira a morte do marido, adotara Patrício o qual criara sozinha e agora o perde sem poder fazer nada, porque ele escolheu assim, e muito embora o conto narre que ele queria gritar por ela, seu estado já não permitia. E a Honorata só lhe resta chorar. Conto de Natal, esse enfim é um conto com final feliz. O pai volta do mar, muito embora depois de um acidente, a mãe pare sadia , mesmo tendo sido sozinha e por fim todos estão juntos na noite de natal.
No último conto, o Capítulo da seca, recordo-me da estória de Fabiano da obra de Graciliano Ramos, o qual retrata um cenário bem típico do sertanejo. Luis Cosme como Fabiano, escolhe por ir embora. Se sua saga será igual a do personagem de Graciliano isso não se pode provar, mas que é o que se espera por ser ele apenas mais um dos reflexos do espelho da seca. Mas como o próprio Jaime Hipólito relatou, é só mais um capítulo.
Estórias Gerais de uma certa forma é um recolhimento de experiências vivenciadas ou selecionadas por conversas junto ao povo de sua época.
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Lindelillyan é aluna do oitavo período do curso de Letras, Língua Portuguesa.
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Exercícios de escrita – A poesia de Auta de Souza
foto da poeta
Por Pedro Fernandes de O. Neto,
aluno do sétimo período
Letras da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
Que tempo estive não sei!
Do mundo inteiro distante,
O jardim naquele instante,
Foi a terra que eu amei.
(fragmento do poema Goivos, Auta de Souza)
A literatura potiguar perde a poetisa Auta de Souza em 7 de fevereiro de 1901; era mais uma vítima da dama branca – assim foi como a tuberculose ficou conhecida naquela época e que já havia vitimado seu pai e sua mãe quando ela era ainda criança. Membro de uma família de intelectuais, foi a poetisa que mais ficou conhecida fora do Estado, tendo sua poesia figurado nas rodas literárias do país afora, chegando até mesmo ser incluída no rol das antologias e manuais de poesia das primeiras décadas do século passado. Prova disso são os prefácios à 1ª edição, 1901, assinado por Olavo Bilac e à 3ª edição, 1970, assinado por Alceu Amoroso de Lima, o Tristão de Ataíde, denotando que a poetisa não se resumiu apenas ao cenário da literatura potiguar.
Sua obra resume-se apenas a um livro: Horto já publicado em cinco edições; sendo os poemas que aí compõem sua obra, advindos do manuscrito Dhálias, de 1893 – 1897.
Sua vida breve – Auta atravessa meteoricamente a paisagem da literatura potiguar – e a publicação de apenas um livro a inclui no rol de espólios dum exemplo e dum grupo de nomes que ainda merecem enfoques em torno de sua biografia, sua produção literária e sua poesia, haja vista que em se tratando desta última, uma obra literária, é sempre fonte inesgotável de estudos.
Como o livro Horto ela é reconhecida pelos críticos por uma poética filiada a um romantismo ultrapassado, conforme Nelson Werneck de Sodré (1965) e/ou com leves traços simbolistas conforme Alfredo Bosi (2000).
Há ainda quem diga que a obra da poetisa encontre-se contaminada pelas experiências vividas chegando mesmo a comprometer o lirismo e o valor estético de seus versos. Mas perdemos muito de sua obra se formos apenas por este viés. Em toda e qualquer obra de um poeta subjetivo, temos manifestada uma personalidade muito mais coerente e onipresente do que a da pessoa tal qual a vemos ou conhecemos em situações cotidianas, uma vez que toda visão de que a arte é auto-expressão, pura e simples transcrição de sentimentos e experiências pessoais é falsa. Não sendo diferente em Auta. Mesmo havendo uma relação entre a sua poética e a sua vida enquanto poetisa, isso não deve ser interpretado com que o sentido deva ser mera cópia da sua vida, ainda mais que, a obra literária só pode ser considerada pessoal metaforicamente. Sem falar que, consoante ao pensamento de Bosi (1988, p. 278) “não há grande texto artístico que não tenha sido gerado no interior de uma dialética de lembrança pura e memória social; (...) de percepção singular das coisas e cadências estilísticas herdadas no trato com as pessoas e livros.” Isto é, de uma forma ou doutra, traços de sua vida enquanto poeta, serão refletidos pelo seu eu-lírico interferindo no seu momento de produção poética. Em Auta de Souza vida e obra entrelaçam-se numa quase consistente unidade.
Ao longo dos mais de cento e quarenta poemas que compõem a sua obra enxergamos uma poetisa submersa numa luta com as palavras e com a vida; sua linguagem poética, assim como se é de praxe ao gênero poesia, está permeada de imagens, começando e terminando com as figuras mais simples, como bem definiu Olavo Bilac, no prefácio à sua obra: “um livro de uma tão simples e ingênua sinceridade (...) o labor pertinaz de um artista, transformando as suas idéias, as suas torturas, as suas esperanças, os seus desenganos em pequeninas jóias.” A temática mais cantada em seus versos é a morte e a infância, estas passam e perpassam, parafraseando Alceu Amoroso no prefácio à terceira edição do Horto, uma dupla sombra, negra e branca de dor e de angelitude.
De modo convencional não podemos definir apenas e exclusivamente o fazer poético de Auta como aquele que rompe com o modo convencional de perceber, de ver, de julgar, aquele no qual T. S. Eliot (citado por BOSI, 1996, p. 31) define como o que faz ver às pessoas, o mundo com os olhos novos ou descobrir novos aspectos deste, mas a poetisa carrega em seu universo lírico o uso da palavra semantizada por natureza, faz re-emergir da sua fonte – a vida – sensações, imagens, idéias, tudo num constante interagir com tudo, conforme nos coloca Gaston de Bachelard em sua Poética do Devaneio.
No importante corpus acerca de sua obra não se manifestam nenhuma temática que analise sua poética sob o olhar da viagem. Existem análises que dão conta de um Horto enquanto expressão simbólica ou ainda numa dimensão além-horto, no entanto essa relevante visão do Horto enquanto espaço do devaneio, da viagem psíquica até hoje em nossas buscas não foi tratado especificamente pela crítica literária.
Esse objeto nos parece pertinente visto que a permanente transparência, limpidez, diafaneidade, religiosidade, lirismo espontâneo não dão conta de abarcar uma dimensão outra, por outro viés interpretativo acerca de sua produção poética; também não nos chega como pretexto contornar todo viés interpretativo que gravita em torno de sua poética, isso é-nos impossível. Mas aos nossos olhos a obra não se é reduzida a essa visão unívoca; o próprio título do livro pode aqui ser entendido como um espaço psicológico semelhante ao espaço concreto vivido pelo Cristo, metaforizado num eu-lírico que divaga por um momento de extrema solidão. Assim entendemos que a sua poesia marca-se por dois vetores: um na viagem para a infância, vertente onírica, e de devaneio; outro na viagem etérea, marcada por um percurso ascensional intimamente relacionado com a idéia de espiritualização, por um processo amoroso para consigo mesma, no entanto, voltada ao ultrapassar das fronteiras individuais, apontada numa imitação do divino; e na viagem post-mortem, as quais parecem obedecer a uma espécie de jogo dialético de ascensão e queda, de trevas e luz, tudo não desprovido dum certo misticismo religioso.
Às suas viagens, Auta de Souza parece retornar, numa margem – vetor horizontal –, a um universo de valores ligados ao mundo da infância, revelando um tom nostálgico de tempo perdido, espécie de refúgio, albergue onde pousa um espírito carregado das possibilidades latentes de recomeço e também de ilusão, caracteres românticos, em ritmos variegados, mas em consonância consigo mesma: o tom de que essas reminiscências encontram-se ancoradas no convívio com o divino numa espécie de comunhão satinficadora; noutra margem – vetor vertical –, o ascender por um universo post-mortem, a poetisa mergulha numa busca infinda pela luz, pela redenção, que pode ser aqui entendida como enriquecimento espiritual, mola propulsora ao renascer através da valorização do sofrimento, oscilando entre o martírio e a esperança de alcançar o divino, percurso ora frustrante, ora iluminado por um resto de esperança imposta de forma convincente.
Ao introduzir seu livro com o poema No horto é como se a poetisa demarcasse um lugar físico e concreto donde há de vagar seu eu-lírico nesse ínterim de viagens. Aí o cenário se confunde com mesmo onde Cristo teria sofrido suas últimas agruras, como nos sugere Tarcísio Gurgel (2001). Numa espécie de coro o eu-lírico vê-se só, submerso na penumbra, neste está consigo mesmo, neste possível encontro com a morte, mostram-se resquícios do medo, pede proteção ao Cristo através da oração, “Jesus amado, reza comigo.../Afasta a noite, doce Senhor!”.
O que se segue é um diálogo entre ela e o Cristo, o tempo-espaço encontram-se fundidos, conexo e desconexo. Fundidos porque o medo espiritual ainda é inerente, operante ao espírito da poetisa para o que verá do futuro, semelhante ao Cristo antes da crucificação. Ao mesmo tempo em que se fundem, dilatam-se o tempo-espaço: conexo, porque sua vida e o momento que vive colocam-se muito próximo do divino; e, desconexo porque essa proximidade entre terreno-celestial é fátua, a própria forma como aparecerá a imagem de Jesus, suspensa, quebra parte dessa conexão: “Ergui os olhos para o céu lindo:/Vi-o boiando num mar de luz...”.
Envolta numa espécie de devaneio, êxtase espiritual a poetisa no encontro apocalíptico com o Cristo recobra suas esperanças ao mesmo tempo em que renova os pedidos de conforto, proteção e amparo na caminhada que ainda lhe falta para a morte, simbolizada pela cruz; enquanto a morte não lhe vem, a fim de manter-se de maneira aproximada com o divino iniciará o eu-lírico uma viagem ao mundo infantil, rememorará seu passado antes da busca pela redenção.
Nessa dimensão a cruz apresenta-se como elemento importante porque o próprio trajeto percorrido juntamente com o ainda a ser percorrido pelo eu-lírico pode ser assim tracejado, onde: o braço horizontal abarca o retorno ao mundo infantil e o braço vertical a ascensão post-mortem, ou seja, o cruzamento de tempos não justapostos, onde a intersecção significa o divino, único comum a ambas as viagens. Além de que ela também remete à dor, ao sofrimento, porém necessários à travessia vida – morte; travessia para a morte, mas a morte em Auta comporta-se como uma espécie de renascer.
Ao inscrevermos a obra da poetisa em dois planos – um horizontal, outro vertical – desconsideramos se ela se enquadra em moldes estéticos de um romantismo tardio ou de um simbolismo como foi rotulado pela crítica literária; é bem verdade que, as marcas dos estilos vêm à tona, assim os caracteres neo-românticos e simbolistas se manifestam e eles são inerentes a obra.
As formas de viagens não significam demarcações fixas ou divisões da obra em partes específicas e distintas, pelo contrário, esses planos apresentam-se numa cadeia, intrinsecamente ligadas e por vezes fundem-se e perdem-se em seu decurso; demarcamos como linear, mas a caráter didático, uma vez que sabemos não ser possível enquadrar linearmente nenhuma manifestação psíquica e as viagens porque seguem o eu-lírico são estritamente emergentes de um plano psicológico.
A poética de Auta é produto de uma época e os autores que a poetisa leu na sua constituição intelectual, Fagundes Varela, Álvares de Azevedo, Olavo Bilac etc., em que os vários tipos de escapismos, a emigração para uma subjetividade etérea ou onírica, se fazem assentes e podem ser usados como exemplos de demarcadores da constituição de sua poética.
O escapismo adquire múltiplos contornos, diversas facetas na constituição de sua poética, isto quer dizer que estas formas propostas e identificadas não são as únicas existentes.
Faz-se necessário ainda, para concluir, que a própria poesia é gênero marcadamente traçado pela viagem psicológica, isto é, que esta não é apenas caráter da constituição poética de Auta de Souza. A viagem para a infância se afigura como ponto de partida ideal na sua poética, visto que a nosso ver a autora empreende uma viagem em busca da eternidade sentindo a necessidade de retorno ao que de mais parecido com Cristo viveu em vida. A viagem onírica, então desencadeia um retorno as origens, a um tempo-outro, que afinal é molde e mote diversificado, necessário a viagem post-mortem, a qual por uma questão de coerência ao texto foi posta como sub-pólo da etereidade, mas que na verdade se manifesta em equilíbrio constante de todas as etapas precedentes.
Quanto à opinião que circula na crítica à obra da poetisa acerca de seu valor místico, a ponto de Auta de Souza ser colocada como espírito desencarnado na crença espírita, tendo inclusive uma obra psicografada em 1931, por Chico Xavier, Parnaso de além túmulo, compartilhamos com Câmara Cascudo (1961), de que não há nada em sua obra que a enquadre nesse aspecto místico, uma vez que é público e notório o espírito profundamente religioso, a sua devoção e ligação à doutrina do catecismo e da imitação em Cristo. Isto é, o aspecto de sua educação, pautada nas orações diárias, nas comemorações religiosas, nas leituras doutrinárias e de caráter devocional, são-nos suficientes para entender uma aura de espiritualidade na sua escrita.
No mais, a obra de Auta de Souza, apesar de resumida apenas num livro, o que não altera em nada o valor de sua produção, carrega uma poesia do mais belo esplendor, dentro da produção literária do Estado na época. Simples e profunda, dotada de uma suavidade, de uma elegância e de uma beleza que perpassa o fio das palavras; dotada de uma musicalidade, de beleza na colagem das imagens, de uma angústia existencial além-horto e a sua busca por amparo no religioso, no sagrado visitado por uma carga de sensualidade, num eu-lírico enlevado, em êxtase, frenesi, gozo religioso; a poesia de Auta constitui num espaço contínuo de investigação psíquico-literária.
Estudos mais amplos acerca da sua poesia são necessários a fim de engrossar essa pequena e tímida espécie de coro crítico ou pelo menos recobrar a atenção para sua obra e para a Literatura do Estado que anda numa penumbra ainda. Ao deixar envolver-se por essa voz lírica de devaneio e êxtase espiritual poético recobramos a dimensão segunda em que se apóia a linguagem humana conforme Edgar Morin (1998), simbólica, mística e mágica; isto é, é mergulhando na poesia de Auta de Souza que entenderemos o halo que ela enquanto escritora carrega em torno da palavra a fim de traduzir sua evolacidade, em verdade e subjetividade, intrinsecamente ligadas, imbricadas; é uma tentativa hostil de romper a barreira semântica que comanda o poema.
Sem dúvidas, ainda é possível explorar sua vida, bem como sua poética, buscar novas posições, novas leituras, daquela que através de seus versos incutiu uma essência do seu mundo e do mundo inteiro; num jardim distante, numa dimensão temporal que vai além da dor, do sofrimento, da própria morte como uma espécie de redenção em tempos não justapostos na terra em que viveu e amou. Através de sofrimentos de escrita, Auta molda a palavra nos vieses da vida-morte.
REFERÊNCIAS
BOSI, Alfredo. Céu, inferno. São Paulo: Cultrix, 1988.
_______. (org.). Leitura de poesia. São Paulo: Ática, 1996.
_______. História concisa da literatura brasileira. 43. ed. São Paulo: Cultrix, 2000.
CASCUDO, Luís da Câmara. A vida breve da Auta de Souza. Recife: Gráfica Oficial, 1961.
GOMES, Ana Laudelina Ferreira. Introdução para um estudo da vida e obra de Auta de Souza. In. SOUZA, Auta de. Horto. Natal: EDFRN, 2001, p. 21 – 56.
GURGEL, Tarcísio. Informações de literatura potiguar. Natal: Argos, 2001.
MORIN, Edgar. Amor-poesia-sabedoria. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998
SOUSA LEÃO, Nalba Lima de. A Obra Poética de Auta de Souza. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1986.
SOUZA, Auta de. Horto. Natal: Tipografia d’ República, Biblioteca do Grêmio Polimático, 1900.
______. 4 ed. Natal: Fundação José Augusto, 1970.
______. 5 ed. Natal: EDUFRN, 2001.
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in prosa (crônica)
Reflexões numa noite qualquer...
Hoje, estou sem sono... Pensando na vida. Faz dias que penso em escrever algo que possa ficar guardado, talvez uma crônica, um relato ou apenas uma recordação para que outras pessoas possam sentir algo especial ao ler. Quem dera tivesse o dom de muitos escritores, que ao pegar lápis e papel, deixam a imaginação fluir e, assim, expressam seu pensamento de maneira fascinante, apaixonante. É desse modo que descrevo Rubem Alves, Adélia Prado e tantos outros... Escritores apaixonantes no seu modo de encantar as pessoas com tantas lições, conselhos ou simplesmente desabafos sobre o cotidiano.
O cotidiano é carregado de coisas que podem nos encantar ou desencantar, depende do jeito que acordamos, e se estamos dispostos a encarar essas mesmas coisas. Se escolhermos para diante das dificuldades, estaremos fadados ao sofrimento, mas se, mesmo vivendo dias difíceis, ainda pudermos olhar o horizonte, além da nuvem escura, então, poderemos contemplar o céu e confiar que depois da tempestade vem a bonança.
Pode até parecer poético demais, fantasioso ao extremo e quem sabe assim seja. Mas por que não sonhar que tudo pode ser diferente?
A vida só é possível se reinventada, já dizia a inesquecível Cecília Meireles; portanto, vamos inventar e reinventar nossa vida, todo dia, toda hora, todo instante, para que nossa existência não seja em vão.
Eu queria realizar tantos planos, queria ser tanta coisa e ainda tenho tanto o que colocar em prática para que tudo isso não fique apenas no mundo das idéias, mas que se torne realidade.
Talvez esta reflexão já seja o meu primeiro passo para uma mudança de vida. Escrever é um jeito de desabafar com quem não olha nos nossos olhos. Os segredos do nosso coração, muitas vezes, são revelados assim, sem querer, num pequeno pedaço de papel, que achamos que ninguém irá ler ou revelar pra outras pessoas. Mas o que importa, se eles saírem por aí, de boca em boca?
Ninguém tem sempre o controle da situação, ou seja, ninguém pode impedir que os segredos sejam revelados, caso contrário, não seriam compartilhados com aquelas pessoas mais confiáveis e estas não revelariam a mais ninguém. É assim que nossa vida deixa de ser um mistério e passa a ser um “livro aberto”.
Livros... Como nos ajudam nos momentos de introspecção! Eles nos ensinam, acalmam, orientam e até nos tornam sensíveis. Quantas lágrimas são derramadas ao ler um livro! Quantas idéias surgiram depois de uma leitura atenta de um bom livro!
Assim como o livro, muitas vezes somos nós... Esperamos que alguém nos olhe com carinho, mas não apenas levem algo, antes deixem uma saudade de tudo o que conseguiu captar, para que em outro momento possa voltar, sempre que desejar. E como o nosso coração deseja essa volta! É sempre bom saber que existe alguém que nos espera, mesmo que seja apenas pra depois dizer adeus. Melhor seria recordar sem ter que sentir a dor da despedida...
Deixemos a saudade pra outro dia. À hora já está avançada, preciso descansar o corpo, esse eterno companheiro da minha alma.
03/03/2007 - 03:02
Ana Cely Menezes
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in prosa (conto)
Aquela junção de olhos
Lindo? Bonito? Feio? Não sei em que categoria posso definir aqueles olhos castanhos, com aquele sorriso de menino carente e dócil. A verdade é que fico tão completamente idiota ao olhar aquela junção de olhos e dentes que praticamente perco a noção. O nome dele eu já sabia, apesar dele nem saber que eu existia.
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Eu: Já que ninguém me tirou para dançar tive que chamar alguém.
Ele: Não seja por isso!
Eu: Qual é o seu nome? (eu já sabia!).
Ele: ... E o seu?
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E foi assim numa noite de São João que ele soube que eu existia. Não sei o que achou da minha ousadia, pois, o tirei para dançar. Mas isso logo descobri. Descobri também que além daqueles olhos e daquele sorriso ele tinha braços. Braços fortes e que adoravam me abraçar sempre que me viam. Aquele sorriso que antes eu invejava, agora sorria para mim. E como se isso tudo não bastasse... Carinhoso, amigo, amoroso, divertido, etc. Ele ainda era tudo isso. Era não. É! E o inevitável aconteceu: me apaixonei! Praticamente fiquei cega. Bom, ficar cega foi o eufemismo do século, fiquei cega, surda, muda e o ar chegava a faltar. Quando o via borboletas batiam asas dentro do meu estômago. Perdoem-me o ar romântico da narrativa, mas é que isso está vivo dentro de mim, da mesma forma que o seu coração pulsa dentro de você.
Depois que me vi nesse “estado de espírito”, o destino resolveu dar umas mãozinhas, e muitas coincidências começaram a acontecer. Freqüentávamos as mesmas festas, os mesmos bares, às vezes nos fazíamos companhia, mas nada ia além. O tempo foi passando e fui percebendo que ele também me amava, de uma forma diferente, mas amava. Amava-me como amiga como boa amiga que fui e que sou. Enquanto eu o amava... nem sabia mais como. Há aquele velho ditado que diz: “É triste ter como amigo aquele que se quer como namorado.”. Isso já diz tudo. Depois que cheguei a esta conclusão decidi que o melhor era me afastar. Não sei se foi a decisão mais sensata, mas foi o que meu coração pediu.
Já faz algum tempo que não o vejo. Saudades?! Sinto. Mas foi melhor assim. Não pude desfrutar de nenhum dos seus beijos, antes lamentava, hoje não mais. Talvez não fosse capaz de suportar tal lembrança. Acredito em destino e isso me ajuda a superar. Entendi que não se pode amar sozinho. Hoje, posso dizer com toda sinceridade, que a cada dia que passa meu coração se acalma, pois aprendi que com o tempo tudo passa.
Monick Munay
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sarau
Anjo
Coloco-me em frente ao espelho
Dois eus se entrelaçam
Sentimentos confusos inebriam
Sonho e realidade numa alma fosca
Coração recolhido com medo da sombra
Em meio a uma tempestade de areia
Um ser frágil quase sem esperança.
Da fragilidade eis que surge a loucura
A magia de Deus e dos homens
O destino aponta sua trajetória
O amor que vem quando menos se espera
Faz da vida uma aquarela
Pintando sonhos e corações adormecidos
Pelas mãos de um ANJO...
ANJO loiro, de asas douradas
Que protege, guia, consola,
Que com olhar penetrante e sorriso doce
Jogou um feitiço sem cura
Criando uma atmosfera de sonho
Fazendo o pensamento voar longe
E alcançar o infinito.
O MEU ANJO!
Que me envolve em suas asas
E me faz viajar por caminhos desconhecidos
A metade que faltava...
Por que o sonho já é realidade
E frente ao espelho...
Um único “eu” se destaca.
- Monick Munay -
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Salvação
Despido de minha alma,
Na calma da noite,
Anjo decaído,
Divaguei por terras alheias de meu pensamento vago.
Encontrei como minha cara espichada num Cristo
– esquema ilusório.
Uma lágrima virada em rio caudaloso.
Voz suave no silêncio do tempo,
Estou preso num leve desespero.
Enxergo-me atraído pelo inferno dantes.
Não quero mais dormir.
Olhei minha alma por vezes cortada no espelho,
Cheiro de morte no ar,
Estou prestes a pular no cansaço de meus olhos.
Desperdicei meu tempo preso em mim.
Preciso de palavras pra esse caso de emergência.
Pra cumprir um poema sem nexo.
Sem cor, sem amor, um poema suicida.
Preciso das sombras delas pra dilatar meu funeral.
Debaixo do tempo me esconderei,
Amarrado no desespero.
Nunca me vi alma vil presa – estranhei.
Cedo ou tarde tenho de me despedir de mim.
Voltar ao começo:
Anjo decaído preso no tempo
– pensamento vago.
Cara espichada em versos verde lodo
– Cristo bugre.
Alma cingida por fitas vermelhas
– o desespero, uma solidão nua.
Prestes a jogar-se num precipício
– a vida, um inferno por onde vaguei antes.
Por um poema não escrito
– lágrima, voz vertida no suave silêncio do tempo.
- Pedro Fernandes de O Neto-
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Esperança
Eu espero,
Mas não sei o quê.
Eu amo,
Mas não sei a quem.
E sonho
Um dia acontecer.
A esperança de viver
O amor que guardo
Em meu coração.
CAMINHO
No meio do caminho
Não havia nenhuma pedra
A pedra não estava.
Meu Deus!
Não havia pedras
Pedregulhos, espinhos
Não havia
E eu sempre vou lembrar
Que não havia pedras,
Não era uma pedra no caminho
Meu Deus!
Era uma montanha!
- Ângela Rezende, 10/09/2001 -
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Previsões
Minha avó costumava em certos meses do ano
Pôr sobre a casa numa tabua morros de sal,
Doze ao todo, os doze meses do ano:
Janeiro. Fevereiro. Março. Abril. Maio. São João.
Sant'ana. Agosto. Setembro. Outubro. Novembro. Dezembro.
No dia seguinte contava a quantidade do derreter
E dessa quantidade via os meses chuvosos,
Os menos e os mais,
Também os meses secos –
Estes, de julho em diante serão secos.
Nos meses de São João e Santana
Se um bando de garças cortasse o azul pardo
Nas tardes afogueadas
É que a seca estabanada encontrava o sertão.
E era mesmo: as garças se iam deixando para trás
Uma caatinga de verde esmorecido,
Capim amarelo.
Breve a caatinga fazia-se cinza,
Como que morta, adormecida,
Vestida mesmo de morte, despida de vida
Para suportar as agruras o calor.
- Pedro Fernandes de O. Neto -
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Di versos
Morte e vida severina (uma reflexão sobre a vida)
João Cabral de Melo Neto, autor da obra em destaque, sabe muito bem o que é a vida pelo sertão nordestino: vida seca, sem vida, muitas vezes sem um mínimo sequer de esperança para os que são dessa caatinga, um cenário triste. Não pela dura vida que teve, pois isso não constou na sua biografia, mas pela sua observância na vida dos sertanejos. Autor de várias obras; consagrou-se na literatura brasileira como arquiteto das palavras. Sua forma de escrever, como ele mesmo afirmou em seu poema Catar feijão, é calculada seriamente e escolhida grão a grão ou palavra por palavra como uma construção de concreto em que todos os tijolos são um a um colocados no lugar que lhes cabe. Era pernambucano, passou a infância nos engenhos de sua família e a paisagem típica de suas obras é exatamente a paisagem da caatinga, a seca, a aridez da terra, as pedras, pedras essas que foram usadas nos títulos de várias de obras como Pedra do sono, Educação pela pedra. João não era apenas um sertanejo de nascimento, era de coração também, pois, ao que se sabe, mesmo ele vivendo em cidades grandes e até mesmo em cidades da Europa não se adequava bem aos grandes centros e se considerava um homem do interior.
A obra Morte e vida Severina ganhou destaque no Brasil quando de sua adaptação para o teatro e logo depois para a televisão como minissérie. É a sociedade e suas mazelas em questão. Segue a linha da denúncia da realidade injusta, do contraste entre a vida do pobre nos povoados e do rico nas cidades grandes e até o paradoxo existente na cidade grande. A obra é um auto de natal composta por 18 atos e conta a saga de um nordestino que sai do sertão de Pernambuco para ir à cidade em busca de melhores condições de vida. Mas o que ele encontra é apenas a morte, em todos os lugares, contrariando as suas expectativas.
João Cabral embute nessa obra sua crítica ao estado da pobreza no Nordeste que assolava todo o sertão, principalmente o pernambucano e coloca de forma considerada incisiva e dura as condições de vida ou de subsistência nas quais vivia o povo. Com essa linguagem dura e árida João consegue fixar o leitor, emocioná-lo com a acidez do Nordeste, e consegue o efeito de compadecimento com a própria historia narrada. É uma obra que tem muito valor não só pela linguagem bem trabalhada disposta em versos e metricamente calculada como se calcula a quantidade de cimento em uma obra da construção civil, mas especialmente pela reflexão que traz acerca da vida, da falta de esperança de um povo diante da desigualdade social.
Ângela Rezende .
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II>FILMOGRAFIA - um tiro de bons filmes - dicas de DVDs
1. Babel 2. A insustentável leveza do ser 3. Cartas de Iwo Jima 4. Dogville 5. Um copo de cólera 6. Moça com brinco de pérola 7. Closer – perto demais 8. O jardineiro fiel 9. Perfume – a história de um assassino 10. Ecos do além.
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BIBLIOTECA
1. A metamorfose, Franz Kafka 2. Cem anos de solidão, Gabriel Garcia Márquez3. Madame Bovary, Gustave de Flaubert 4. A paixão segundo G. H., Clarice Lispector 5. O retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde 6. Lavoura Arcaica, Raduan Nassar 7. As cidades invisíveis, Ítalo Calvino 8. A neve, Orhan Pamuk 9. O nome da Rosa, Umberto Eco 10. Dom Casmurro, Machado de Assis .
A neve, Orhan Pamuk Pamuk define A neve como seu primeiro e último romance político, conta à história de Ka, poeta exilado na Alemanha, que viaja a uma pequena cidade turca sob o pretexto de investigar a onda de suicídios entre jovens muçulmanas que assola o vilarejo. Durante essa visita, uma nevasca bloqueia todas as estradas, insulando a cidade do resto do mundo. É nesse clima de isolamento que um veterano ator e sua mulher aproveitam para liderar um golpe militar. Embora tenha se distanciado da política há muitos anos, Ka é alçado a protagonista involuntário dessa revolução. Nada menos apropriado para um escritor cujos desejos são apenas registrar as poesias que lhe escapam há anos, mas que agora passam a fluir com extrema naturalidade, e se casar com Ìpek, antiga colega de escola. Mas o turbilhão provocado pelo golpe traz à tona a truculência das forças de segurança, antigos ajustes de contas e o radicalismo de alguns militantes islâmicos. Enquanto Ka tenta se equilibrar entre as diversas facções em choque, vê a cidade se tornar um microcosmo dos conflitos raciais, políticos e étnicos da Turquia, além de palco da sua tragédia pessoal.
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[rodapé]
[Eu bato nos meus filhos sim e ninguém tem nada a ver com isso!]
De acordo com a lei 8069 de 13/07/1990, há penalidades para os indivíduos que praticam maus tratos contra crianças e adolescentes, como também para os que não os denunciam. Contudo, o que se vê nos dias de hoje são formações discrepantes de famílias, famílias desestruturadas, fora dos moldes clássicos que padronizaram a instituição. O que não justifica algumas atitudes monstruosas de pais que espancam seus filhos, porém explica o calor da atitude. O baixo grau de escolaridade, a distância das relações sociais humanas e até as privações das necessidades básicas, são ícones indicadores de possíveis casos de maus tratos infantis. Não há um padrão de família exigido pela sociedade atual, como havia em outrora, o que acaba refletido na desestruturação dessas instituições. Casamentos fracassados, mães solteiras, pais separados e filhos criados em ambientes cada vez “menos família e mais modernização”. Há quem diga que umas boas palmadas antigamente ajudavam a relembrar o que é respeito, mesmo que com um misto de medo e frustração acompanhando-as, mas o que não se via nessa época eram filhos que matavam os pais por causa de “birra de garoto mimado”, fato que agora, assustadoramente, parece moda.
Um outro veio da Psicologia Moderna defende que se a palmada for inevitável é importante que se bata disciplinando e até indicam como se deve bater - o tapa deve ser nas nádegas do infante partindo de baixo para cima. Exatamente assim, como se isso viesse escrito no manual de instruções dos filhos. A sociedade atual encontra-se no mais robótico método de ensino conhecido. Os meios norte-americanos de educação tão criticados em outras décadas, hoje são líderes de formação fundamental e profissional dos cidadãos.
Em conversa com populares e pais experientes, percebemos um destoamento de opiniões. Causados provavelmente pela distância de períodos experimentados para a paternidade de cada um. Se por um lado um pai de filhos ainda jovens diz: – Palmada não, jamais, crio meu filho na base da conversa; por outro lado temos alguns, até já avós atualmente, que afirmam não fazer mal a ninguém uma “palmadinha disciplinar” de vez em quando. O certo é que os pais têm que aprender a respeitar os seus filhos e suas individualidades para só a partir de então exigir algo, porque um é o reflexo do outro. A criança imita os adultos.
Na sociedade moderna, não é raro um lar de muitos parentes e poucos componentes, em que qualquer um exerce o papel do outro. O filho mais velho, muitas vezes, tem que ser mãe para seus irmãos, por que esta trabalha e não tem tempo para tanto. A mãe tem que ser pai, porque quem deveria ser a abandonou quando soube que o seria. Esse descompasso familiar pode não ser o único, mas certamente é um parêntese relevante na criação que vai gerar o comportamento das crianças. A relação pessoal entre os pais, também determina a formação dos perfis infantis. Casais que depois de anos e dos filhos ainda se amam, nos dias de hoje, parece utopia, mas é comprovadamente científico que filhos nascidos nesse ambiente são, pelo menos, mais tranqüilos.
Por se tratar de um tema social, não podemos jamais exigir uma comprovação empírica para tais relacionamentos, mas o que vemos é que os homens que hoje são pais e educam seus filhos na “base da conversa” e são profissionais exemplares, prestativos e adultos responsáveis, foram criados com aquelas “palmadinhas”. Que certamente não eram desferidas de forma pedagogicamente correta – aplicando-se a força de baixo para cima, como se quisesse levar o caráter e o respeito para um lugar distante de onde a ela estava sendo aplicada. Dessa forma, o que se vê é uma sociedade marcada por diferenças de opiniões, mas o que deve ser indelével é o amor que se sente. Pois se ele existir, todas as normas, disciplinas e meios educacionais surgirão e servirão de igual forma, mesmo que para isso sejam necessárias algumas reações disciplinares. O que também fez parte de minha realidade e nem por isso me tornei marginal ou surtei com algum distúrbio psicológico. Isso porque junto com o contato físico vinham as justificativas. Conversar faz parte, mas não é tudo.
Lindelillyan Fernandes - Letras,UERN
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Ed. n. 1. maio/jun. 2008. 12 p.
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