Editorial
BONS DIAS, CARO LEITOR!
Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, é um daqueles livros da literatura brasileira mais comentados e mais lidos. Ele é o resultado dum amadurecimento da escrita de um escritor que não se fez o ícone que ainda o é, da noite para o dia. Machado começa como aprendiz de tipógrafo, passa pela poesia, seu primeiro gênero digno de publicação nos jornais da época, depois por cronista até tornar-se romancista.
Uso do tom intimista machadiano e abro o editorial dessa segunda edição do Jornal Trabuco falando do escritor por um motivo simples: em setembro próximo a literatura brasileira celebra o centenário do escritor brasileiro e isso não pode passar despercebido aos olhos das letras, mesmo que já seja Machado consagrado e imortalizado nesse terreno. Por isso essa segunda edição do Jornal Trabuco publica ensaio não sobre Memórias póstumas, mas sobre O Alienista, um dos contos que assim como o romance é um dos mais famosos do escritor que dentre os gêneros já citados, também se destacou e, muito bem nesse gênero.
Na capa da segunda edição fizemos questão de exibir uma trabuco. Devido às muitas perguntas feitas em torno do nome do jornal quando do lançamento da primeira edição. Se é um nome que incita à violência? É sim. E a arma está na capa de prova. Mas uma violência de idéias boas e literatura em amadurecimento.
Além disso, a segunda edição traz outras novidades. Numa edição mais ampliada – um rearranjo do jornal – traz o investimento de outras leituras e mostra novas caras que colaboraram com material para compor esse corpo que, como já sabemos, não nasce sozinho, tem a necessidade de várias mãos que atuem como deuses para darem sopro a sua existência.
Somam-se, destarte, às vozes que já conhecemos na primeira edição, as vozes em ensaio de Edgley Freire, em crônica de Emerson Alves, em poemas de Luciana Brito, Amós, Adalberto, Bruno Leite. No novo espaço, Traduções, acomodam-se as traduções do poeta peruano Cesar Vallejo por Marco Antonio C. Vasquez. Isso tudo nessa edição.
Boa leitura!
Pedro Fernandes de Oliveira Neto
Aluno do 8o período do curso de Letras, língua portuguesa, UERN
SUMÁRIO
PRIMEIRAS PALAVRAS
Edgley Freire debate sobre o Metatexto
LETRAS AO LÉU
Pedro Fernandes fala do conto O alienista de Machado de Assis
IN PROSA CRÔNICA
Emerson Alves e Ângela Rezende
SARAU
Os versos e a poesia de Luciana Brito, Adalberto Jr. , Fernanda Pontes, Amós de Souza, Bruno Duarte
TRADUÇÕES
Versos traduzidos por Marco Antonio C Vasquez do poeta peruano Cesar Vallejo
Di versos
Na estante de livros , livros; na filmoteca, filmes e resenha de Chega de Saudade por Ângela Rezende
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PRIMEIRAS PALAVRAS
Debate sobre metatextualidade
Edgley Freire Tavares
Graduado em Letras (UERN)
A sociedade é o espaço das coisas ditas, institucionalmente ditas, como nos faz crer o pensamento de Michel Foucault. E estas coisas ditas constituem o nosso cotidiano, antecedem a nossa prática com a linguagem. Nossas subjetividades e enunciabilidade estão repletas de discursos que nos precedem, nos posicionam e fazem dos nossos textos repetições singulares nos limites de uma metadiscursividade.
Todo texto é um metatexto. E nosso cotidiano é um emaranhado de metatextos, ou melhor, textos precedendo outros textos. É sobre isto que pretendo dizer algumas linhas, mesmo não tendo a certeza se por metatextos dá para se entender como os textos surgem e como se sustentam num universo que é todo ele feito de coisas ditas. Em outras palavras, como os textos fazem parte de uma ordem do discurso, sedutora e estranha, sedutora porque estranha, em todo caso, uma metadiscursividade envolvente.
No momento mesmo em que são concebidos, os textos se projetam como metadiscursos porque estão sempre retomando aquilo que os precedem. Há sempre um já aí que sustenta a nossa enunciação. Estamos, se assim quisermos, na esfera dos discursos, do interdiscurso e do já dito, ou melhor, no terreno da AD francesa, como escrevem Orlandi (1999) ou Gregolin (2006) e, principalmente, das teorizações sobre o poder, o discurso, o sujeito e a instituição apresentadas por Foucault (2006a). Podemos dizer, para iniciar o debate, que os textos nascem sobre toda uma discursividade que os precedem. Podemos dizer também que além de preceder nossa experiência de escrita, o metatexto é o próprio texto cerceado de outros textos.
O texto surge daquilo que o precede, não sendo o mesmo e sendo o outro. Ou se acharmos melhor, o novo singular e específico, uma experiência na precedência discursiva, no atravessamento sócio-histórico que são suas condições de produção. O Foucault (2007a) de A Arqueologia do Saber diria que, precedendo o texto há sempre práticas discursivas e enunciados em dispersão, nos quais somos uma posição sujeito. Desta relação do indivíduo com o texto, Foucault (2006b) na conferência O que é um autor? leva-nos a ver a dispersão discursiva entre o sujeito e a linguagem, relação desprovida de soberania e imanência, pois a história e o poder atravessam sempre o sujeito em sua experiência com a escrita. Neste mesmo texto, o pensador francês até brinca com o que ele chama de princípio fundamental da escrita contemporânea, delineado no enunciado “que importa quem fala?”.
Transcendentalismo ou não, o texto é o lugar da existência do comentário, nele a paráfrase e a polissemia, junção do princípio do mesmo e da diferença, encontra-se em potência. Não há textos sem outros textos, não há o novo sem o precedente, não há esse “eu falo” na origem de um discurso e na ausência de qualquer outra linguagem. Afinal, morreram já Deus e o homem que havia tomado o lugar desta imortalidade sempre desde já efêmera (FOUCAULT, 2007b; 2006b). O que há mesmo como metatexto é um algo a mais que nos precede na enunciação, função de todos e de ninguém.
Deste algo a mais Foucault falou demais. Sei que era do sujeito que ele falava (FOUCAULT, 1995), mas na experiência subjetiva, na relação do sujeito consigo, os discursos dizem sempre, mesmo que não tudo, mesmo que a subjetividade seja uma forma que escapa às determinações, às técnicas de poder e saber. E em tal sentido, se é de metatextualidade que falamos, fica fácil perceber este preceder que é da ordem dos discursos, das relações de poder, constituído nos lugares institucionais de fala, na forma como a instituição sinaliza-nos à distância como para dizer que os textos devem se crivar da incoerência própria do discurso.
Se nossas subjetividades são construções no e pelo discurso, da mesma forma, são os textos, constituídos a partir de metatextos, deste atravessamento discursivo e poderoso que configura a existência dos enunciados. Assim são os textos, belos ou não, perpétuos atravessamentos. Como não há sujeito fora do discurso, também não podemos supor textos na ausência de metadiscursividade.
Termino refletindo da mesma forma como comecei, o lugar do texto, numa última particularidade do metatexto. Este lugar institucional dos encontros e desencontros discursivos é também o lugar de um silêncio sedutor e necessário que atrai o texto. Passar a metatexto, texto também a preceder outros é algo que não existe sem este sono textual, lugar sobretudo da revisão, espaço no qual o texto define melhor sua interface e pode sonhar, quem sabe, um dia vir a ser realmente reconhecido como um texto.
REFERÊNCIAS
GREGOLIN, M. do R. Pêcheux e Foucault na análise do discurso: diálogos e duelos. São Carlos (SP): Claraluz, 2006.
FOUCAULT, M. A ordem do discurso. Rio de Janeiro: Edições Loyola, 2006a.
FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense universitária, 2007a.
FOUCAULT, M. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 2007b.
FOUCAULT, M. Ditos e Escritos (v. III). Rio de Janeiro: Forense universitária, 2006b.
FOUCAULT, M. O sujeito e o poder. In: RABINOW, Paul e DREYFUS, Hubert. Michel Foucault. Uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense universitária, 1995.
ORLANDI, E. P. Introdução à Análise do Discurso. Petrópolis (RJ): Vozes, 1999.
II> LETRAS AO LÉU
LOUCURA E RAZÃO: PERSPECTIVAS SOBRE SIMÃO BACAMARTE E OUTRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O ALIENISTA, DE MACHADO DE ASSIS
Pedro Fernandes de Oliveira Neto
Aluno do oitavo período do curso de Letras, Língua Portuguesa (UERN)
De médico e de louco, todos temos um pouco.
(ditado popular)
Machado de Assis (1838-1908) escreveu algumas de suas obras ainda sob influência do que os estudos literários classificam como Romantismo, mas consagrou-se como maior escritor brasileiro do século XIX com seus romances e contos da chamada fase realista. Sensível conhecedor da alma humana, Machado tinha predileção pela análise psicológica e imprimia certa ironia e pessimismo em sua obra, que desmascaravam as aparências da burguesia do século XIX demonstrando os interesses que se escondem sob as ações nobres: a inveja, a hipocrisia, a incapacidade de amar – como em Memórias Póstumas de Brás Cubas —o egoísmo, a dissimulação – como em Dom Casmurro —a amoralidade, a ambição e a vaidade humana, como em O Alienista, seu conto mais famoso.
Para isso, o escritor nos romances vale-se de um recurso narrativo mais preocupado com a análise das personagens do que com as ações e os cenários, transferindo muitas vezes para o leitor as reflexões do narrador, dialogando com ele, quebrando o envolvimento emocional e a ordem cronológica da narrativa; características estas não tão exploradas em seus contos, talvez como uma estratégia de não estender-se tanto, uma vez que a própria estrutura do conto pede isso.
O Alienista surge primeiramente no jornal carioca A Estação, entre 15 e 31 de outubro de 1881 até 15 de março de 1882, naturalmente como folhetim, assim como algumas outras obras do autor. Em seguida, retocado em algumas partes, aparece abrindo o volume de contos Papéis Avulsos, publicado em fins de 1882, contemporâneo, pois, de Memórias Póstumas de Brás Cubas.
O Alienista conta a história de um médico, Simão Bacamarte, formado em Portugal, que se instala na cidadezinha de Itaguaí, interior do Rio, com o objetivo único de estudar a loucura e instituir sua classificação. Vem daí a sua idéia de confinar loucos num mesmo local, a Casa Verde, construída com o apoio da Câmara Municipal. Num primeiro momento, Bacamarte confina os loucos ditos mansos, furiosos e monomaníacos – isto é, aqueles que a própria comunidade julgava perturbados.
A partir de muitas leituras e meditações científicas, Bacamarte, num segundo momento, comunica a seu melhor amigo, o boticário Crispim Soares, a descoberta de “uma experiência que vai mudar a face da terra” (p. 29): “a loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente.” (p. 29). Desde então, passa a confinar na Casa Verde cidadãos estimados e respeitados em Itaguaí. Pessoas aparentemente ajuizadas, mas que, pelas teorias desenvolvidas por Dr. Bacamarte revelava distúrbios mentais; espelhando, desse modo, o terror na pequena cidade. Atemorizados – ninguém mais sabe quem está são ou louco – os que ainda não haviam sido internados no hospício organizam uma rebelião, sob a disposição revolucionária do barbeiro Porfírio. O levante popular – mais tarde designado como Revolta dos Canjicas – termina em frente ao hospício. O alienista recebe a massa rebelada com a autoridade e a coragem de um grande cientista que julga ser, deixando o povo perplexo com sua serena superioridade intelectual. Chegam à Vila Itaguaí os soldados do Rei (os Dragões) para restaurar e impor a ordem. Nessa confusão, os Dragões acabam aderindo aos revoltosos e a revolução triunfa, tendo o barbeiro Porfírio como chefe.
Em seguida, Porfírio procura Simão Bacamarte e diz que não pretende desistir do hospício: bastava uma revisão nos conceitos de loucura, liberando os enfermos que estavam quase curados e os maníacos de pouca monta. O alienista ouve o barbeiro e ao mesmo tempo informa-se do acontecido nas ruas e conclui que, também Porfírio, estava louco como aqueles que o aclamavam. Em cinco dias, Bacamarte joga na Casa Verde cinqüenta adeptos do novo governo, gerando outra indignação popular, que só acaba quando entra na vila uma força militar enviada pelo vice-rei.
Resolvidas as rebeliões, dá-se uma busca desenfreada de gente para o hospício. Quase ninguém escapa, nem mesmo a esposa do alienista, D. Evarista. Dr. Bacamarte conclui, desde então, a verdadeira doutrina da loucura: todos que até ali tinham sido considerados loucos eram sãos e os sãos, loucos. Os novos alienados mentais são agora divididos por classe: a dos modestos, dos tolerantes, dos sinceros, dos bondosos etc. Até que, no final de tudo, Bacamarte dá-se conta de que só ele restou e também se encaixa nos parâmetros estabelecidos para seu novo conceito de loucura, acaba internando-se na Casa Verde em busca da cura para si próprio.
A personagem do Simão Bacamarte é a encarnação de uma mania – “A ciência, disse a Sua Majestade, é o meu emprego único” (p. 9) – reforçada com o fato de que ele recusa o convite do rei português para ficar “em Coimbra regendo a Universidade, ou em Lisboa, expedindo negócios da monarquia” (p. 9). Quando tomamos conhecimento do desenvolvimento da narrativa dificilmente aceitaremos ou se aceitarmos, aceitaremos com dúvidas estes fatos de prestígio da personagem. Mesmo que o narrador pretenda enaltecer a figura de Bacamarte, transformando-o em personagem lendária – “o Dr. Simão Bacamarte, filho da nobreza da terra e o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas” (p. 9) – tem-se ainda, por um lado, a distância espaço-temporal e, por outro, a multiplicidade de vozes transmitindo umas às outras a figura de “reputação” do médico. Imbrica-se aí a vaidade insensata de largar cargos de alta monta para assumir o posto de cientista numa pequena vila do interior do Brasil.
“A ciência, disse ele a Sua Majestade é meu emprego único; Itaguaí é o meu universo” (p. 9) – dá para nos encher de admiração ouvir isso de uma pessoa que abandonava um destino brilhante fora do país para exercer meramente sua profissão no interior do Brasil. Mas também é-nos estranho. Por trás da aparente modéstia esconde-se a ambição desmedida e insensata. A escolha de Bacamarte não é de um destino modesto, mas queria conseguir seus méritos pelas vias mais difíceis, mesmo não tendo capacidade suficiente para tal e sorte demais. Trata-se de um ato de orgulho.
Os traços monomaníacos do Dr. Bacamarte são ironicamente expostos quando o narrador sugere: “Dito isto, meteu-se em Itaguaí, e entregou-se de corpo e alma ao estudo da ciência, alternando as curas com as leituras, e demonstrando os teoremas com cataplasmas” (p. 9). Tão importante essa missão que Bacamarte larga mesmo tudo: casa-se somente aos quarenta anos e escolhe uma esposa “mal composta de feições” (p. 10) para não ter distrações com outras coisas, tendo em vista que a única coisa que o move é a ciência. Até nessa escolha são os motivos científicos que ele adota como critério, “D. Evarista reunia condições fisiológicas e anatômicas de primeira ordem, digeria com facilidade, dormia regularmente, tinha bom pulso e excelente vista; estava apta para dar-lhes filhos robustos, sãos e inteligentes” (p. 10). A ciência, no entanto, não é assim tão perfeita e lhe a primeira decepção: D. Evarista era estéril. As previsões de Bacamarte falharam.
A realidade foi-lhe nula, a partir do momento que seus esforços concentraram-se apenas no campo da ciência, julgando indiscutivelmente certa e superdotada perfeição. Desde então, o alienista dedica-se ao recanto psíquico, como escape à derrota que foi ter casado com uma mulher que julga imediatamente estéril. Seu ceticismo em relação a realidade e sua convenção em relação a si próprio como criatura perfeita não lhe dá sequer o trabalho de se perguntar, se não era ele quem era estéril.
Sua postura modesta é tamanha que procura, agora, dedicar-se a um ramo da medicina – “o exame da patologia cerebral” (p. 11), que não havia sequer autoridade plena no assunto em Portugal, dirá no Brasil. Percebe-se o quão sua ambição é tamanha. Ultrapassa fronteiras. Adota, então, comportamento aparente de cientista onde na verdade não cumpre sequer as exigências científicas, uma vez que este comportamento lhe é ditado pela própria voz interior do desejo. E tirando proveito da falta de informação do povo da cidadezinha quebra as barreiras da racionalidade. O que é posto em jogo, embutido no comportamento de Simão Bacamarte, não é fazer o bem cuidando dos doentes e do progresso da ciência, mas tão somente conseguir sucesso e glória, a todo preço, uma vez que sonhava como um ente para as páginas da história.
O tipo de mentira comum a Bacamarte é o mesmo que parece mover determinadas ações vistas pelo olho do senso comum como absurdas; trata-se duma mentira que arquitetada pelo mentiroso acaba por ganhar status de verdade até para ele próprio. De científico nele, apenas a aparência. No comportamento da personagem embute o autor uma crítica e uma sátira ao comportamento ilusório, rigoroso e científico para ser-se cientista. De crítico, os olhos machadianos vêem nesse racionalismo da ciência a representação das margens para os erros gritantes e, conseqüentemente, as tragédias; de satírico recortem-se os feitos cômicos que as ações da personagem representam. Parafraseando dos Santos (1991), o alienista não teria, porém, a importância que se lhe atribui se por detrás da paródia se não esboçasse uma reflexão sobre a questão do poder, acerca da vaidade e da ambição, da desumanização e da tirania que a ciência pode trazer, sobre a capacidade humana de distinguir o verdadeiro do falso, sobre a influência das ideologias nas existências individuais, sobre os limites da própria ciência.
A ambição desmedida, porém secreta, de Simão Bacamarte é distinguir-se da sociedade a qual está inserido. Traduz-se essa ambição numa descoberta revolucionária, daquelas capazes de entrar para a história, uma vez que não lhe interessa o destino apagado. É de se considerar, no entanto, que este triunfo tão sonhado repercuta tanto quanto o ponto de que ele surja do lugar mais inesperado. Não é à toa que escolhe isolar-se na vila de Itaguaí. Dr. Bacamarte faz uso da ingenuidade popular decorrente da valorização ao que exibe pompa, ao que vem de fora, além do prestígio social como médico; tudo isso o permite usar e abusar da inocência da população. Mas seu comportamento de falso cientista é inquietante e ingênuo, tendo em vista que, em primeiro, sabe bem como agir, segundo, deixa entrever as conseqüências nefastas do mau uso das ações. Machado soube expor isto ao colocar o Bacamarte como alguém que se julga superior e cataloga loucos os outros, por outro lado, é-nos perceptível que ele não sabe distinguir que sua mania torna-o de certa maneira um louco semelhante aos outros.
A ambição individual transforma-se em algo que afeta o comportamento alheio. Até quando sua obsessão, razão de sua existência, é tão somente tornar-se um grande cientista, tudo bem, sua ambição é algo abstrato, mas a partir do momento da construção da Casa Verde, sua ambição torna-se algo concreto; passa de algo individual para coletivo, de algo científico para político, adquire proporções que tornam sua atividade perigosa. Por mais absurdas que soassem suas idéias, elas ainda assim seriam tomadas como verdadeiras. Em Machado essa transição do abstrato para o concreto e do individual para o coletivo, corresponde a passagem do científico para o político. O poder exercido por Bacamarte é o mesmo do poder político a partir do momento que suscita as rebeliões. A ironia de Machado veste-se de caracteres que são válidos tanto para o político como para o científico. Reúne-se a denúncia às opressões, já que as minorias se vêem desprotegidas do poder superior.
À medida que vão se multiplicando as decisões do alienista, tudo parece fugir da fronteira do senso comum, beirando já a fronteira da loucura. A internação na casa de orates de “um certo Costa” é a prova de que o povo de Itaguaí começa a deixar de entender o que havia de lógico no comportamento do médico: “Costa era um dos cidadãos mais estimados de Itaguaí” (p. 33). As atitudes de Bacamarte vão tornando-se arbitrárias, pondo em xeque e até ultrapassando, por vezes, a fronteira do senso comum quando o internamento dos cidadãos se dá pelo único defeito de comportarem-se de maneira que ele achava anormal: a doença do Costa era generosidade excessiva; a da prima que vem defendê-lo, o empenho excessivo; o Mateus amava demasiado as pedras.
No limiar de sua empreitada é a mania que se alimenta de si mesma e da convicção em que o médico vive de ter razão – características da monomania. A prova é que ele não obedece a critérios algum que permita distinção entre normalidade e loucura, a ponto do próprio Dr. Bacamarte entrar em contradição nos princípios já estabelecidos: “a razão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades; fora daí insânia, insânia e só insânia.” (p.31) / “se devia admitir como normal e exemplar o desequilíbrio das faculdades e como hipóteses patológicas todos os casos em que o equilíbrio fosse ininterrupto” (p. 80) O irônico nisso tudo é a sua atitude de internar todo mundo que julgava louco e depois soltar para prender os normais. Não há mais distinções entre razão e loucura.
Ao questionar as fronteiras entre razão e loucura, Machado pela boca de uma personagem, que se suicida mentalmente, satiriza o sentido da loucura enquanto patologia clínica, ao mesmo tempo em que lança uma crítica aos comportamentos humanos, pondo em evidência que se tudo se classifica como loucura, de loucos, todos têm um pouco. A Casa Verde é a leitura desse mundo- gaiola-de-loucos; os vícios, as manias são-nos elementos constantes. No fundo a figura do alienista dá para nós uma visão anti-heróica de nós mesmos e para rirmos da crença infantil e cega de que nas doutrinas encontram-se a explicação e os rótulos para tudo.
Fiel à sua doutrina, o doutor de Itaguaí acaba por concluir que o único louco nessa cidade é ele, visto ser ele o único sem defeitos. Este fim “trágico” da personagem é a caricatura do fim de todas as monomanias, a incapacidade de encontrar fora de si um ponto de referência válida e se confrontar modestamente com outras idéias. À vista grossa, lemos O Alienista como uma sátira aos comportamentos humanos, bem ao estilo machadiano, que desmascara o que há de heróico e grandioso na mania da idéia fixa de sermos únicos perfeitos, sendo este o entremeio da dupla crítica à ciência, ávida por fatos ditos positivos e a associação desta ao território do autoritarismo político
REFERÊNCIAS
ASSIS, Machado de. O alienista. In: ASSIS, Machado de Papéis avulsos. São Paulo: W. M. Jackson INC editores/Gráfica Editora Brasileira, 1957, p. 7-98.
DOS SANTOS, João Camilo. Algumas reflexões sobre O alienista, de Machado de Assis. In: Revista Colóquio/Letras, 1991, p. 41-56.
IN PROSA CRÔNICA
O asceta da poesia e sua magnífica cidade
Emerson Alves de Oliveira
Aluno do oitavo período do curso de Letras, Língua Portuguesa,(UERN)
Aquele que se aventura numa caminhada pelas trilhas deixadas pela linguagem poética, mágica, cuja sonoridade e ressonâncias intumescem o coração e realça o espírito, tem a possibilidade de vislumbrar seu próprio “EU” diluído na mistura da poesia; é assim que nos sentimos no instante em que chegamos ao pórtico da Cidade Íntima de Raimundo Leontino, espalhadas por todos os lados tercetos e quartetos indícios muito fortes de uma produção incessante e profunda nos envolve e nos faz flutuar no universo mítico da palavra; logo que entramos somos recebidos pelo próprio Leontino que tal como um guia acompanha-nos por cada recanto de sua cidade, num tom confessional e lírico com pitadas de sensualismo ele nos mostra os pontos turísticos, a sudoeste da praça central fica uma espécie de floresta mística onde o asceta da poesia recolhe-se e medita sobre sua condição de ser-sujeito-objeto e condutor da mensagem existencial, a saber, a música do parnaso da alma. Repleta de flores, campos verdejantes onde abunda a tranqüilidade, a magnifica cidade íntima oferece aos seus visitantes uma exuberante e exótica floresta na qual se pode apreciar a natureza em seu estado mais puro, virginal.
Um grande rio de imagens sensações e sentimentos desce das montanhas frias e cheias de grutas nas quais se escondem segredos desde a mais tenra idade, e que segundo nos conta o príncipe do lirismo são a pedra filosofal para àqueles que amam o perder-se dentro de si para reencontrar-se numa outra dimensão em que tudo é construído sob os domínios da sensibilidade; cortando a cidade ao meio esse rio permite que ela se mantenha verde, viva e atrativa o ano todo, empolgado pela companhia dos turistas nosso asceta envolto pela força energética da poesia adentra no seu mundo particular, sua intimidade de homem apaixonado pela arte, amor, linguagem, desnuda numa caleidoscópica declaração acredito eu de amor a sua esposa, vida, pelo próprio da poesia, na qual se percebe sua habilidade em lidar com o signo que em suas mãos ganha uma fluidez crescente, vertiginosa onde o fluxo da linguagem produz uma simbiose piroplástica, ou seja, uma imensa nuvem de metáforas, metonímias, e outras tantas figuras de linguagem se aglutinam e promovem a exaltação do “EU PROFUNDO”, que emerge e se deleita nas águas cristalinas que conduzem e protegem a Phoenix que contém o GRANDE segredo, o porquê de se refugiar no seio da linguagem poética.
Tudo é ânsia de palavra lá fora, de sons, de imagens, de uma explicação para esse exercício de deixar-se, perder-se, embriagar-se, enfim, de ser um eterno amante da palavra mais sutil, mais bisbilhoteira, sagaz, mítica, ah! Como é fantástica a leitura poética, é possível uma explicação para a linguagem OLÍMPICA? Quais benefícios pode nos trazer a linguagem poética? O que busca o leitor de poesia? O que comunica a poética? Existe um caminho menos sinuoso para o significado de um poema? Ele diz algo de nós mesmos, do outro ou de si? Se disser como sabê-lo? Por que diz? Como diz? Em que direção? Chega deixo aos leitores desse simples texto, surgido da paixão do autor pela música inebriante que brota do papel impresso por criações de uma alma de poeta as respostas para tais indagações.
Amor em Diário de uma Paixão. E na vida?
Ângela Rezende
Aluna do oitavo período do curso de Letras, Língua Portuguesa (UERN)
Semana dessas estava na casa de uma amiga e ela me convidou pra ver um filme. Pensei: “Adoro filme e tô sem fazer nada, vamos!” O filme era um que eu não conhecia, Diário de uma Paixão, parecia ser bom. Sentamos em frente a TV e assistimos.
A história falava de um jovem casal que se conhece num verão, mais especificamente num carnaval e se apaixonam. Claro que até aí não tem nada de novidade no enredo, mas o que me chamou atenção veio depois, no final. Continuando.... A família da moça era rica (ainda não é novidade nos enredos de filme romântico, mas eu chego lá) e ele (como já se previa) era de família pobre. Ela tocava piano, falava outras línguas, havia passado numa faculdade em Nova Iorque e ele trabalhava apenas como marceneiro ou algo parecido. O fato é que ela foi embora e se prometeram continuarem se falando. Todos os dias, durante um ano ele escreveu cartas para ela (isso é cena de filme mesmo) e ela não respondia. Claro! A bruxa mãe não entregava as correspondências.
Detalhe que já ia esquecendo: ele a levou para uma casa abandonada uma noite e quase fizeram amor, só não o fizeram porque um amigo chegou avisando que os pais da moça estavam preocupados e colocaram até a policia atrás dela. Nessa casa abandonada não tinha mais nada inteiro e que se aproveitasse, mas era o sonho do rapaz comprá-la e reformá-la para ir morar lá e ela se ofereceu para morarem juntos . O tempo passou, se separaram, se reencontraram e ficaram juntos.
Mas...vocês devem estar pensando: “o que é que chamou a atenção nessa história?” E eu digo: “calma, ainda não acabou”. Ficaram juntos nessa dita casa, tiveram filhos e ela descobriu que tinha uma doença degenerativa que acabava com a memória ,o mal de Alzheimer.
No fim do filme aparece ele, já idoso, na casa que agora era um abrigo, com ela em tratamento. Ele todos os dias vai para a casa, ler uma historinha de um jovem casal que se conhece num verão, mais especificamente num carnaval e se apaixonam... Ela já não lembra dele. Ele aparece todos os dias e num dia a família deles vai visitá-la e numa cena de uma conversa dos filhos com o pai, eles dizem:” Volte para casa papai, você está fazendo muita falta, ela já não lembra do senhor, nós te ajudaremos, viremos todos os dias” e ele pacifica e amorosamente responde: “Não vou voltar, quem está ali é a minha amada (sinto um arrepio na alma quando vejo essa parte do filme e não apenas isso, as minhas lágrimas vertem rapidamente; envergonhada porque meu namorado me olhava risonho), e eu cuidarei dela, não posso ir”. E ela tem alguns insights em que lembra dele mas em cinco minutos esquece, parece com aquele outro filme Como se Fosse a Primeira Vez sendo esse mais emocionante. No fim mesmo, eles deitam numa cama do abrigo e “adormecem” juntos, era o milagre do amor que ela queria. Nessa parte não pude me conter, tem horas que o choro já não é controlável e ser racional não é possível. Chorei, chorei muito. Esse é o amor que quero pra mim, o companheiro. Que me faça sentir bem, que me cuide. É utópico? Bem... eu, quem me conhece sabe, eu jamais diria isso. Ainda, nos meus diários e nas minhas esperanças acredito nesse amor. Esse sentimento raro e divino. Anseio ainda que vocês acreditem, é possível. Como tudo na vida tem que ser cativado e diferente do que a gente pensa, não é do dia pra noite. Mas de existir existe. Eu sei!...
SARAU
Inquietude
Luciana Brito
Letras – Mossoró (RN)
procurei pela casa vestigios da tua presença.
abri as gavetas, bisbilhotei...
ansiosa, não pude encontrar teus passos.
tentei acalmar minha alma,
mas a dor corroía meu íntimo.
abri meu coração. vasculhei.
dolorida, não pude tirar você de lá.
enquanto você permanecia dentro da casa
eu tentava lembrar do teu rosto,
pois foram os desencontros que roubaram minha memória.
triste, chorei. mas mesmo assim não consegui te ver.
e de repente as portas abriram-se.
as luzes acenderam-se.
feliz, eu entrei inquieta,
mas quando cheguei lá,
só morava a saudade.
Mundos de sonho em verso
Adalberto Junior
Letras – Mossoró (RN)
Para muitos, poesia...
É dizer aquilo que o coração diz;
Para outros é criticar
Contra a vida que não nos faz feliz;
Pode ainda de emoção
Acalmar, o mais triste coração;
É caneta que escreve em letras certas
É canção que faz mais do que rimar
É doçura o coração do poeta
É tristeza que vêm nos acalmar
É escrever daquilo que se sente e não se sente
É sentir a amargura de sonhar
Poesia para mim é viajar
Para bem... Bem longe deste lugar!
Onde terra, céu e mar se esmorecem
E tudo novo o poeta faz criar
Tudo novo, mais não como deveria ser
É apenas um caminho a trilhar
Às vezes penso se talvez
Se tudo aqui fosse perfeito algum dia...
...será que existiria poesia?
Pra te fazer Mulher
Amós Soares de Souza
Letras—Mossoró (RN)
Pra te fazer Mulher
Eu chego de mansinho
Jeito malandro, moleque, de ser
Aconchego-me no calor de suas coxas
E em delírios sopro no seu pescoço
Ares de Homem bom
Pra te fazer Mulher
No bambolear de suas pernas
Perco a terra sob meu chão
No meandro de sua cabeça
Meus lábios navegam a deriva
Pra te fazer Mulher
Enceno mil e uma peças
Sempre com novas facetas
Te beijo como se fosse única
Pra te fazer Mulher
Declino-me como Homem rude
E cheiro a tua nuca
Embaralho meus dedos em teus cabelos
Pra te fazer Mulher
Afago tuas costas nua
Sinto o pulsar de suas ancas
Pra te fazer Mulher
Tateio teus pés
Sinto-te do início ao fim
Pra te fazer Mulher
Pulso dentro de ti
Inundo você com meu ardente fluido
Só Pra te fazer Mulher
Que anjo?
(Anjo - Monick Munay)
Fernanda M. M. Pontes
Letras—Mossoró (RN)
Coloco-me frente ao espelho
Não enxergo ninguém
Sentimento estranho
Realidade do sonho que sonhei
Coração vazio era meu sonho
Em meio a tanto vazio
Virou pesadelo, dá calafrios
Do vazio eis que surge mais vazio
O desejo de ter um homem
Meu destino aponta a trajetória
Do amor que não vem
por tanta espera
Ter carinho? Quem me dera!
Faço minha estória
Ter o carinho de um ANJO...
Anjo bom, que não mal trata
Não desconfia, não tem defeitos
Anjo bom, que não tem namorada...
Me jogaram uma praga
Criando uma atmosfera de azar
Fazendo o pensamento desejar anjos
Que não se podem tocar
Então, QUE ANJO?
Não posso me envolver em asas
que são perfeitas, mas já envolvem alguém
Aí fico sem graça
Pois perfeito de tudo, não há ninguém
Frente ao espelho...
O “eu” não se destaca,
O “eu” que não tem asas,
O “eu” que não tem ninguém.
(07-07-2008)
I n c o n s t â n c i a
Bruno Duarte
Letras—Apodi (RN)
Diz que me ama,
Me deseja, me difama.
Com a mão levanta,
Acaricia, espanta.
Com o abraço esquenta,
Emociona, desorienta.
Diz que de mim necessita,
Me alegra, me irrita.
Cala a boca, beija,
Sorrir, espragueja.
Com a voz fascina,
Seduz, disciplina.
Diz que sou razão de viver,
Me guia, me faz sofrer.
Com o olhar embeleza,
Valoriza, despreza.
Com o olhar embeleza
Valoriza, despreza.
Com sua inconstância, vicia,
Confunde, distancia.
Diz que não vive sem mim,
(mas) me deixa assim:
Achado, perdido,
Cansado, iludido.
Alucinado, envolvido,
Cansado, iludido.
Alucinado, envolvido,
Lembrado, esquecido.
Ontem
Bruno Duarte
Letras—Apodi (RN)
...ontem
fui escravo...
hoje sou plebeu
...amanhã serei rei
...ontem
fui morte...
hoje sou vida
...amanhã serei eterno
...ontem fui terra...
hoje sou mar
...amanhã serei céu.
...ontem fui sofrimento...
hoje sou esperança
...amanhã serei liberdade
...ontem
fui criança...
hoje sou adulto
...amanhã serei sábio
...ontem fui interrogação
hoje sou reticência
...amanhã serei ponto final
...ontem
fui violência...
hoje sou paz
...amanhã serei amor.
...ontem
fui inspiração...
hoje sou poeta
...amanhã serei poesia
TRADUÇÕES
O Jornal Trabuco abre esta sessão com a versão de dois poemas do poeta peruano Cesar Vallejo feitas por Marco Antonio C.Vasquez
César Vallejo nasceu em 1892, em Santiago de Chuco, região andina localizada ao norte do Perú. Estudou na Universidade de Trujillo, cidade onde descobriu a boemia influenciado por jornalistas, escritores e políticos rebeldes. Nesta cidade lança seu primeiro livro Los Heraldos Negros, em 1919, um dos mais representativos exemplos de pós-modernismo. Em 1920 faz uma visita a sua cidade natal e acaba se envolvendo em confusões que o levaram a cadeia aonde permaneceu por cerca de três meses; esta experiência teve uma profunda influência em sua vida e em sua obra, refletindo diretamente em vários poemas de seu segundo livro, Trilce (1922). Considerada como uma obra fundamental pela renovação da linguagem poética hispano-americana, pois em Trilce, Vallejo se afasta dos modelos tradicionais que até então havia seguido, adotando uma linha mais modernista e realizando um angustiante e desconcertante mergulho nos abismos da condição humana, que nunca antes haviam sido explorados.
PIEDRA NEGRA SOBRE UNA PIEDRA BLANCA
Me moriré en París con aguacero,
un día del cual tengo ya el recuerdo.
Me moriré en París -y no me corro-
tal vez un jueves, como es hoy, de otoño.
Jueves será, porque hoy, jueves, que proso
estos versos, los húmeros me he puesto
a la mala y, jamás como hoy, me he vuelto,
con todo mi camino, a verme solo.
César Vallejo ha muerto, le pegaban
todos sin que él les haga nada;
le daban duro con un palo y duro
también con una soga; son testigos
los días jueves y los huesos húmeros,
la soledad, la lluvia, los caminos...
PEDRA NEGRA SOBRE UMA PEDRA BRANCA
Eu morrerei em Paris com aguaceiro
um dia do qual tenho já a lembrança.
Eu morrerei em Paris – e não fujo-
tal vez uma quinta feira, como é hoje, de outono.
Quinta feira será, porque hoje, quinta feira que proso
estes versos, os úmeros tenho colocado
a força e, jamais como hoje, tenho me voltado,
com todo meu caminho, a ver me só.
Cesar Vallejo morreu, batiam nele
todos sem que ele nada lhes faça;
batiam forte com um pau e forte
também com uma corda; são testemunhas
os dias de quinta feira e os ossos úmeros
a solidão, a chuva, os caminhos...
CAPITULACIÓN
ANOCHE, UNOS ABRILES granas capitularon
ante mis mayos desarmados de juventud;
los marfiles histéricos de su beso me hallaron
muerto; y en un suspiro de amor los enjaulé.
Espiga extraña, dócil. Sus ojos me asediaron
una tarde amaranto que dije un canto a sus
cantos; y anoche, en medio de los brindis, me hablaron
las dos lenguas de sus senos abrasadas de sed.
Pobre trigueña aquella; pobres sus armas; pobres
sus velas cremas que iban al tope en las salobres
espumas de un marmuerto. Vencedora y vencida,
se quedó pensativa y ojerosa y granate.
Yo me partí de aurora. Y desde aquel combate,
de noche entran dos sierpes esclavas a mi vida.
CAPITULAÇÃO
Ontem, uns abris vermelhos capitularam
perante meus maios desarmados de juventude
os marfins histéricos de seu beijo me encontraram
morto; e num suspiro de amor os enjaulei.
Espiga estranha, dócil. Seus olhos me assediaram
uma tarde amaranto quando disse um canto aos seus
cantos; e ontem à noite, no meio dos saúdes, me falaram
as duas línguas dos seus seios abrasados de sede.
Pobre triguenha aquela; pobres as suas armas; pobres
suas velas cremes que estavam no topo nas salobres
espumas de um mar morto. Vencedora e vencida,
ficou pensativa e olheiruda e grená.
Eu fui me embora de aurora. E desde aquele combate,
a noite entram duas serpentes escravas na minha vida.
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Di Versos
Estante de livros-
Dicas de leitura
O alienista. Machado de Assis
Um dos clássicos machadiano, conta a história de um Médico com carreira promissora em Coimbra—Portugal e “nas Espanhas” larga tudo para meter-se numa pequena vila do interior do Rio de Janeiro, a Vila de Itaguaí. Daí o Dr. Bacamarte inicia seus “estudos” a fim de encontrar as causas da loucura.
Los Heraldos Negros. Cesar Vallejo
O poema Capitulación traduzido na coluna traduções deste jornal está neste livro do peruano Cesar Vallejo. Trata-se do sua primeira incursão pela poesia, publicada em 1919.
Cidade Íntima. Leontino Filho
O livro proseado na Crônica de Emerson para este jornal é o livro Cidade Íntima de Leontino Filho. “Neste maiúsculo livro o poeta desfralda seu imaginário de estilo em verso/verso de ritmo perene, revelando-se, destarte, um vigilante da alta Poesia (...)”
Barros Alves — Jornal de Poesia
A Casa dos Budas Ditosos. João Ubaldo Ribeiro
Trata-se da mais conhecida obra do escritor brasileiro a ganhar o Prêmio Camões 2008. O romance é um relato de CLB, de 68 anos, baiana e residente no Rio de Janeiro, que jamais se furtou a viver— com todo prazer e sem respingos de culpa—as infinitas possibilidades do sexo.
Resenha
Chega de saudade
Ângela Rezende
Letras – Mossoró (UERN)
Depois do benquisto filme de Laís Bodanzky Bicho de Sete Cabeças lançado há cerca de dez anos e que foi referência como filme de retomada para o cinema nacional e um criador de polêmicas como sobre o que fazer com os nossos jovens na sala de aula, que claramente demonstram desprezo e indiferença aos professores, além de mostrar a realidade dos manicômios brasileiros, as dificuldades nos relacionamentos familiares, o Chega de saudade mescla o ambiente dos velhos com o espaço borbulhento e agitado dos jovens. A história mostra o mundo visto do espaço dos clubes das danças de salão e conta com alguns núcleos que sediam algumas tramas paralelas. Há algum tempo explodia na TV o famoso Dirty dancing, uma história de amor envolvente e misturada à dança que emocionou muita gente com a dança quente, com o belo desempenho dos atores que representaram muito bem um casal de namorados em que o rapaz era um dançarino e ficou sem par para fazer uma apresentação cuja namorada se oferece para substituir o seu par e ele tem de ensiná-la a dançar. O Chega de saudade explora a dança não da mesma forma romântica como foi feita no Dirty dancing mas de forma que junta o ecletismo de cenas e o humor enfocando não os grandes acontecimentos, mas os fatos pequenos e que se entrelaçam ao longo da trama. O elenco conta com atores consagrados como Betty Faria, Tônia Carrero, Cássia Kiss e Stepan Nercessian e atores da nova geração como Paulinho Vilhena e Maria Flor, além de contar com Elza Soares.
IIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII> FILMOTECA
II> Memórias Póstumas de Brás Cubas (baseado no livro de mesmo nome de Machado de Assis)
II> Sargento Getúlio (baseado no romance de mesmo nome de João Ubaldo Ribeiro)
II> Diário de uma Paixão
II> Como se fosse a primeira vez
II> Bicho de sete Cabeças
II> Chega de Saudade
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RODAPÉ
Para quem pensa que Machado de Assis apenas escreveu contos, crônicas e romances, engana-se; também foi exímio poeta. Os versos aqui trata-se dum soneto que o bruxo fez a sua esposa. Sabe-se que quando Carolina morreu em 1904, nunca mais o escritor foi mesmo— confessa em várias cartas que perdia a parte mais importante da vida.
À CAROLINA
Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro
Trago-te flores, - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados
Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos de vida idos e vividos.
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EXPEDIENTE
O jornal Trabuco é uma produção dos alunos do curso de Letras da Faculdade de Letras e Artes da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
A equipe é composta por
Ana Cely Menezes, Ângela Rezende, Pedro Fernandes de O. Neto, Monick Munay.
Contatos:
(84) 9929 2252
(84) 9917 3429
(84) 9909 7144
(84) 8837 2304
jornaltrabuco@gmail.com
Edição n. 2. jul/ago 2008
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte — Faculdade de Letras e Artes — Av. Prof. Antonio Campos, s/n. 69 625 620— Mossoró (RN)
Impressão: GL GRÁFICA
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